Largada da Corrida Nuclear Ameaça o Apocalipse
Ponto de vista de Sergio Duarte
O escritor é o presidente das Conferências Pugwash sobre Ciências e Negócios Mundiais, vencedoras do Prêmio Nobel da Paz de 1995, e ex-embaixador do Brasil que serviu em missões diplomáticas importantes.
NOVA YORK (IDN) – Como se fosse coincidência, quase simultaneamente o mundo soube do Relógio do Apocalipse chegando próximo à meia-noite e do lançamento da Revisão sobre Postura Nuclear 2018 (NPR) pelo governo dos Estados Unidos.
Embora sejam baseadas em visões mundiais muito diferentes, ambas as ações responderam a questões de segurança: a primeira é um lembrete dramático dos perigos iminentes apresentados pelas armas nucleares e a necessidade de eliminá-las; e a segunda aborda o papel do armamento nuclear como capaz de lidar com tensões internacionais e de evitar tais perigos como a expansão da flexibilidade e diversidade da existência de capacidades nucleares.
Para muitos observadores, a NPR aumentaria a probabilidade do uso de armas nucleares e poderia servir como justificativa para outros estados com armas nucleares melhorarem o potencial de destruição de seus próprios arsenais como forma de combater o que é visto como uma postura agressiva, desencadeando assim uma nova rodada da corrida das armas nucleares.
O argumento central da Revisão de Postura Nuclear é que armas nucleares têm e continuam a desempenhar um papel principal para impedir ataques nucleares e não-nucleares, e são essenciais para prevenir a agressão agora e em um futuro previsível.
De acordo com a NPR, o papel de impedimento dos arsenais nucleares dos Estados Unidos seria estendido pelo aprimoramento da flexibilidade e variedade de opções nucleares, incluindo armas de baixo rendimento, o que preveniria adversários potenciais de buscar vantagens em uma escalação nuclear limitada.
Críticos da nova postura nuclear avisaram que dispositivos atômicos menores, de baixo rendimento, na verdade ofuscariam a distinção entre armas nucleares e não-nucleares e diminuiriam o limiar nuclear. Além disso, não há garantia de que o ciclo de escalação seria limitado assim que armas nucleares de qualquer tamanho fossem introduzidas no teatro de guerra.
Adicionalmente, a NPR contempla que o uso de armas nucleares responderia a ataques não-nucleares nos Estados Unidos e não descarta o primeiro uso. Também é possível argumentar que algumas nações atualmente não-nucleares poderiam estar tentadas a adquirir estas armas se fossem convencidas de que tal atitude os tornaria similarmente capaz de alcançar seus objetivos nacionais e prevenir ataques de invasores.
Apesar das acusações mútuas de violações, medidas bilaterais negociadas entre os Estados Unidos e a Federação Russa resultaram em reduções significativas da quantidade alarmante de armas de destruição em massa adquiridas durante a Guerra Fria.
O Secretário-Geral da ONU António Gueterres parabenizou recentemente os dois países pela redução bem-sucedida das forças nucleares estratégicas aos níveis estabelecidos pelo Novo Tratado de Redução Estratégica de Armas (Novo START) e reforçou que “esforços em desarmamento nuclear, não-proliferação e controle de armas são mais vitais do que nunca”.
A contagem total de cabeças na guerra nuclear nos Estados Unidos e Rússia agora está nos níveis mais baixos de todos os tempos. Isso é verdadeiramente um esforço memorável que deve ser continuado para obter a meta tão buscada da eliminação completa de armas nucleares.
Não há dúvidas que um aumento no número de Estados com armas nucleares colocaria em risco a paz e segurança internacionais. A ampla maioria da comunidade internacional afirmou repetidamente, porém, que a existência de armas nucleares é a verdadeira ameaça à paz e segurança, não importando seus detentores. Padrões desiguais não podem resistir para sempre.
Isso se tornou claro após a entrada em vigor do NPT, que limitou o número de armas nucleares dos Estados para cinco que tinham adquirido tais armas por uma data arbitrária. Subsequentemente, quatro outros países conseguiram desenvolver seu próprio arsenal nuclear e um pequeno número foi dissuadido por vários meios de embarcar no mesmo caminho.
Em alguns outros, seções da opinião pública abertamente advogam pela aquisição de forças nucleares independentes para livrá-las das incertezas de acordos defensivos. Sem dúvida, ênfase sobre a deterrência nuclear fornece estímulo para tais sentimentos. Porém, a maioria dos Estados não-nucleares acredita firmemente que sua segurança é melhor atendida ao não adquirir armas nucleares.
Nas décadas desde 1945 (final da Segunda Guerra Mundial), vários acordos multilaterais buscaram de forma bem-sucedida prevenir a proliferação desenfreada de armas de destruição em massa – nucleares, químicas e bacteriológicas. Apesar de sua importância, porém, dois destes tratados ainda não entraram em vigor.
O Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares de 1996 (CTBT) é um deles. Oito Estados principais ainda hesitam em assiná-lo e/ou ratificá-lo, uma condição necessária para colocar o instrumento em vigor. Sozinha entre estes oito países, a República Popular Democrática da Coreia ainda conduz testes de explosões nucleares em pleno século 21, desafiando o Conselho Geral da ONU e apesar de repetidas e maiores sanções impostas por ela. Todos os outros observam moratórias voluntárias em seus testes.
De acordo com a Revisão de Postura Nuclear, os Estados Unidos não buscarão ratificação do CTBT, mas continuarão a apoiar seu Comitê Preparatório assim como o Sistema de Monitoramento Internacional e o Centro de Dados Internacionais. Outros Estados menores não são tão diretos para afirmar suas intenções. Em qualquer um dos casos, a liderança dos grandes poderes nucleares obviamente precisa abranger todos os países recalcitrantes.
Outro instrumento importante que ainda não está em vigor é o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares levando à sua completa eliminação. Ele foi adotado em 17 de julho de 2017 por uma grande maioria dos Estados, mas o ritmo das assinaturas e ratificações tem sido muito mais lento do que esperado, em parte devido à oposição ativa e feroz dos detentores de armas nucleares e seus aliados.
Os apoiadores do instrumento, por sua vez, afirmam que ele não tem intenção de contradizer o NPT, mas sim de fornecer um caminho para cumprimento do compromisso contido em seu Artigo VI. Mesmo se não obtiver a mais ampla adesão possível – pois não tem vários instrumentos multilaterais existentes neste campo, incluindo o próprio NPT – o Tratado de Proibição permanece uma poderosa expressão do suporte de um grande número de membros da comunidade internacional para medidas concretas no desarmamento nuclear.
Uma oportunidade é fornecida pelo ciclo de revisão atual do NPT. Outra é a futura Conferência de Alto Nível sobre Desarmamento Nuclear das Nações Unidas, marcada para maio em Nova York. [IDN-InDepthNews – 11 de fevereiro de 2018]