O Papel do Cidadão e as Intervenções da Diplomacia Científica no Desarmamento Nuclear
Por J. Nastranis
NOVA IORQUE (IDN) – O ano 2021 marca o 30º aniversário do encerramento do campo de testes de Semey, o 76º aniversário dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, da primeira Trindade de testes atómicos, 51 anos do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (NPT), 25 anos do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares (CTBT) que não entrou em vigor, colapso do Tratado de Forças Nucleares de Interesse Intermédio (INF) e extensão do Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Novo START) até fevereiro de 2026.
Marzhan Nurzhan, um académico da UNODA/OSCE para a Paz e Segurança, aproveitou a oportunidade para escrever uma série de artigos em duas partes em “Atomic Reporters (Repórteres Atómicos)”, intitulada “Papéis dos principais atores da sociedade civil no desarmamento nuclear – Comunidades Epistémicas em fóruns de diplomacia multipistas”. Nurzhan apresenta alguns dos exemplos de atividades de diplomacia de pista 2 através de interações entre os cidadãos e a diplomacia científica.
“Estas ocasiões”, diz Nurzhan, “servem como um lembrete para continuar a procurar o desarmamento nuclear global, mantendo as implicações negativas para a paz e reforçando a necessidade de um maior envolvimento no tema das armas nucleares e da segurança internacional através da capacitação da sociedade civil, educação para o desarmamento, atividades de consolidação da paz e mediação através de canais de diplomacia multipistas”.
Foi Bolseira no Centro de Educação e Investigação em Não Proliferação Nuclear no KAIST. Foi também Coordenadora de Educação/Apoio do Grupo de Jovens da Organização do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares (CTBTO) em 2019-2020. Em 2017, Nurzhan foi escolhida pelo Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas como oradora dos jovens para a Reunião de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desarmamento Nuclear que se realizou nesse ano.
Guiado pelo princípio da responsabilidade social pela dupla natureza da ciência, os papéis e as ações dos cientistas para fazer parte das discussões lançaram as bases do termo “cientista cidadão”, afirma Nurzhan.
Um dos exemplos mais proeminentes das ações dos cientistas cidadãos foi a colaboração num manifesto emitido conjuntamente por Albert Einstein e Bertrand Russel em 1955, que enfatizava os perigos das armas nucleares e apelava à resolução pacífica do conflito internacional causado pela Guerra Fria.
O manifesto foi lançado sob a presidência de Joseph Rotblat, um físico nuclear, que trabalhou para desenvolver a primeira bomba atómica no âmbito do projeto Manhattan. Com uma forte convicção de que a ciência e a investigação deveriam ter como objetivo a paz, Rotblat reuniu um grupo de cientistas e outros dos blocos leste e oeste sob os auspícios das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais, que estabeleceu para proporcionar uma plataforma de diálogo sobre as questões do desarmamento e da segurança global.
Foi também reconhecido como cientista cidadão ao receber um Prémio Nobel da Paz (1995) partilhado com o movimento Pugwash pelos “seus esforços para diminuir o papel desempenhado pelas armas nucleares na política internacional e, a longo prazo, para eliminar tais armas”.
Embora uma comunidade epistémica americana tenha sido pioneira na fundação do conhecimento comum internacional e do sistema de controlo de armas nucleares, a colaboração com os soviéticos para evitar a guerra nuclear e manter a estabilidade estratégica reforçou o regime de segurança entre as partes opostas, continua Nurzhan. O estabelecimento de uma agenda de negociação internacional baseada no envolvimento da comunidade epistémica levou à tomada em consideração e implementação de propostas políticas de várias maneiras.
A dupla diplomacia foi praticada não só nos círculos científicos, mas também encorajou os cidadãos diplomatas, entre o público comum, a juntarem-se aos esforços para promover a paz e preservar a humanidade da catástrofe do conflito nuclear. Um dos exemplos esteve associado à rapariga americana Samantha Smith, que escreveu uma carta ao então líder soviético, Yuri Andropov, para transmitir a sua preocupação relativamente à possível troca nuclear entre duas superpotências em 1982. Ela foi convidada a visitar a União Soviética, que apresentou a iniciativa de instauração da paz que resultou no estabelecimento de programas de intercâmbio cultural com os Estados Unidos, promovendo um maior crescimento da diplomacia do cidadão.
Outro exemplo da diplomacia do cidadão são as caminhadas americano-soviéticas pela paz, constituídas por uma longa viagem de cinco semanas de Leninegrado a Moscovo, que teve lugar em 1987 e reuniu 230 americanos e 200 soviéticos com impacto no modo de interagir e criar um melhor entendimento entre a população de dois eixos de poderes.
No meio destas iniciativas de diplomacia cidadã, os médicos dos EUA e da URSS fundaram uma organização chamada Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear (IPPNW) em 1980, que foi galardoada com um Prémio Nobel da Paz em 1985. Apesar da divisão ideológica, eles demonstraram um interesse comum em preservar a humanidade da guerra atómica. Organizaram protestos antinucleares para acabar com os testes a nível mundial e para sensibilizar o público para as consequências sanitárias, humanitárias e ambientais da utilização de armas nucleares.
Outro facto da diplomacia do cidadão foi retratado pela decisão do oficial soviético, Stanislav Petrov, de salvar o mundo do conflito nuclear, quando o seu dever era registar um ataque externo de mísseis, quando num dos dias em 1983 os sistemas de alerta precoce da União Soviética provocaram um ataque nuclear que devia ter sido noticiado e ele, em vez disso, optou por rejeitá-lo como uma falsa notificação.
Todos estes exemplos de ações de diplomacia do cidadão, juntamente com a diplomacia científica e o rastreio de duas interações diplomáticas, levaram a um maior aparecimento e diversidade de atores informados da sociedade civil, resultando na ascensão de organizações não governamentais para participar em deliberações internacionais e exigir o desarmamento nuclear, observa Nurzhan. Por exemplo, as reuniões do Comité Preparatório do TNP e as Conferências de Revisão servem como um fórum principal para os intervenientes da sociedade civil e ONG participarem oficialmente em reuniões públicas, proferirem discursos e declarações, organizarem eventos paralelos desde 1994.
Em 1995, na Conferência de Revisão do TNP, 195 ONG participaram como observadores, onde foi feita a extensão indefinida do Tratado. Unidos na prossecução do desarmamento nuclear e da abolição das armas nucleares, representantes das ONG prepararam conjuntamente uma declaração constituída por 11 pontos que apelavam a uma convenção sobre armas nucleares que tivesse em conta um ponto de verificação, a ilegalidade da utilização e ameaça de utilização de armas nucleares, a conclusão de um tratado de proibição de ensaios verdadeiramente abrangente, o início das negociações de um tratado de eliminação de armas nucleares dentro de um prazo específico e etc.
“Desde então, os atores da sociedade civil participam ativamente em todas as reuniões do TNP nas Nações Unidas e têm a oportunidade de se dirigirem às delegações dentro de um determinado prazo, de fazerem intervenções nas reuniões oficiais, de organizarem briefings, de se envolverem num diálogo com os representantes dos governos e de darem voz às suas questões”, declara Nurzhan.
Contudo, existem também algumas limitações relacionadas com a participação das ONG nas reuniões à porta fechada entre os Estados Partes devido a preocupações de segurança, dada a natureza confidencial das negociações e do mecanismo de controlo de armas do processo do TNP.
No entanto, existe uma prática recente de incluir atores da sociedade civil, investigadores científicos ou políticos na maioria dos casos, membros do parlamento nas delegações dos Estados à mesa das negociações para influenciar o campo político a funcionar como conselheiros, o que está de acordo com a recomendação baseada no Estudo das Nações Unidas sobre Educação para o Desarmamento e Não Proliferação (2002).
Assim, ao longo do tempo, as ações da sociedade civil no domínio nuclear transformaram-se de ativistas ou manifestantes para se tornarem mais profissionais como representantes da comunidade epistémica, e o seu papel nas negociações multilaterais foi decisivo para exercer pressão e influência através do trabalho de campanha, iniciativas de advocacia e lobbying para adotar vários acordos, tais como o CTBT em 1996, parecer consultivo sobre a legalidade da ameaça ou utilização de armas nucleares emitido pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em 1996.
Após um impasse político no TNP e a ausência de progressos significativos durante anos para cumprir a obrigação do Artigo Seis por parte dos Estados Partes, participação efetiva e democrática da comunidade epistémica do desarmamento nuclear no fórum multilateral do OEWG (grupo de trabalho aberto) das Nações Unidas levando avante as negociações multilaterais de desarmamento nuclear em 2016 sob o imperativo das “consequências humanitárias catastróficas de qualquer utilização de armas nucleares”, o que levou subsequentemente à adoção do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPNW) em 2017 e à entrada em vigor em janeiro de 2021. [IDN-InDepthNews – 18 de agosto de 2021].
Foto: Protestantes. Fonte: Repórteres Atómicos.